Acontecimentos (7/6)
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Siga noAntonio Candido lê Cyro dos Anjos
“Há mais de cinco anos Cyro dos Anjos publicou seu único livro, ‘O amanuense Belmiro’, uma obra-prima, sem dúvida alguma. O acabamento, a segurança, o equilíbrio, a realização quase perfeita revelam o artista profundamente consciente das técnicas e dos meios de seu ofício, posssuidor de uma visão pessoal das coisas, lentamente cristalizada no decorrer de longos anos de meditação e de estudo. Porque esse romance é o livro de um homem culto. No seu subsolo circulam reminiscências várias de leitura, ecos de Bergson, Proust, Amiel, autores cuidadosamente lidos ou harmoniosamente incorporados ao patrimônio mental. Por isso é que ele ressoa de modo tão diferente no nosso meoi, com um som de coisa definitiva e necessária (...).
‘O amanuense Belmiro’ é o livro de um burocrata lírico. Um homem sentimental e tolhido, fortemente tolhido pelo excesso de vida interior, escreve o seu diário e conta as suas histórias. Para ele, escrever é, de fato, evadir-se da vida; é a única maneira de ar a volta às suas decepções, pois escrevendo-as, pensando-as, analisando-as, o amanuense estabelece um movimento de báscula entre a realidade e o sonho.”
Antonio Candido (1918-2017), em artigo sobre “O amanuense Belmiro”, do mineiro Cyro dos Anjos (1906-1994), e incluído na reedição da Todavia de seu primeiro livro: “Brigada ligeira”, lançado em 1945 pela coleção Mosaico da Livraria Martins Editora. Em “Estratégia”, datado de 1937, o professor e crítico literário conta que releu o romance de Cyro “pela quinta ou sexta vez” e o fez “como um deleitoso consolo, como diria o Eça, para a ficção mais ou menos frouxa com que o crítico tem não raro de se defrontar.”
Ainda no artigo, Candido tece comentário sobre os livros publicados pelos escritores de Minas: “São livros que lidam com os problemas do homem num tom de tal modo penetrante que autor e leitor se identificam, num irável movimento de afinação. Não são livros que se imponham de fora para dentro, vibrantes, cheios de força. Insinuam-se lentamente na sensibilidade, até se identificarem com a nossa própria experiência.”