SAÚDE

Nem contribuição maior alivia hospital dos servidores de Minas

Arrecadação cresceu, mas a precariedade persiste no HGIP, afirmam funcionários e pacientes da principal unidade do Ipsemg. Instituto nega

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Cadeiras ocupadas por pacientes exaustos, longas filas de espera e olhares inquietos compõem o cenário do pronto-socorro do Hospital Governador Israel Pinheiro (HGIP), no hipercentro de Belo Horizonte. Em meio à alta dos casos de doenças respiratórias em Minas Gerais, o principal hospital do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg) opera em estado de alerta permanente.
O caos, no entanto, não é novo – apenas agravado. Meses depois do reajuste da contribuição dos servidores, a promessa de melhorias até o momento não saiu do papel, e a estrutura continua marcada por precariedade, sobrecarga, falta de insumos e evasão de profissionais, segundo profissionais ouvidos pelo Estado de Minas.
Em janeiro deste ano, o governo estadual aprovou o aumento da contribuição dos servidores ao Ipsemg sob o argumento de fortalecer as finanças do instituto e modernizar o atendimento. O novo piso ou de R$ 33,02 para R$ 60, enquanto o teto saltou de R$ 275,15 para R$ 500. Com isso, a arrecadação anual ou a girar em torno de R$ 700 milhões. Os recursos já seriam aplicados logo nos primeiros meses para ampliar o atendimento, valorizar os profissionais e melhorar a infraestrutura hospitalar.
Mas, na prática, os relatos colhidos pela reportagem do Estado de Minas indicam uma situação limite. Servidores que atuam no hospital enfrentam escalas exaustivas, materiais básicos estão em falta e diversos profissionais pedem demissão após poucos meses, em busca de melhores condições de trabalho. “Aumentou a contribuição, porém, a precariedade no sistema, no serviço, continua a mesma”, resume Pedro Cardoso, presidente do Sindicato dos Servidores dos Institutos de Previdência de Minas Gerais (Sisipsemg).
O hospital também a por uma reforma que se arrasta há mais de uma década. Todas as alas B, do segundo ao 11º andar, permanecem fechadas e têm entrega prevista apenas para o ano que vem. E para os servidores ainda paira a dúvida sobre a efetividade dessa entrega. “Com qual estrutura? Vai fazer concurso digno para o servidor? Ou vão abrir o espaço e deixá-lo vazio, sem médico, sem enfermeiro, sem anestesista?”, questiona Cardoso. “O hospital já está sobrecarregado. E a entrega, se vier sem reforço na equipe e sem insumos, não resolve nada”, aponta.
Para os trabalhadores, o cotidiano dentro do hospital é penoso. Em setores istrativos, também faltam materiais, o que impacta diretamente na assistência, com atrasos em processos, compras de insumos e pagamentos. “Isso sempre ocorre no hospital, porque aí eles (o governo estadual) falam que tem a questão de licitações, que demora para chegar. Infelizmente, isso sempre falta”, aponta Cardoso.
A infraestrutura também reflete os problemas. Janelas quebradas, goteiras, aberturas no teto por onde já foram vistos gambás e até escorpiões. Um defeito no sistema de ar-condicionado no setor de raio-x, registrado em janeiro deste ano, fez a temperatura ultraar os 40°C. Em outros setores também não há ventilação adequada. “O ar-condicionado não ventila e não tem conserto. Quem quiser um pouco de conforto compra o próprio ventilador, daqueles de mesa”, contou uma servidora que pediu anonimato. Também já houve episódios de pessoas presas em elevadores.
Sem equipe suficiente, os profissionais são submetidos a escalas exaustivas. “Não abre concurso, e o próprio concurso também não é atrativo. O servidor, mesmo aprovado, vai embora, porque o salário é muito ruim. O profissional fica onde o salário é mais atrativo, principalmente médico, que falta muito no mercado”, afirma. No mês ado, segundo a entidade, mais de 185 funcionários ficaram sem receber a ajuda de custo, verba que representa cerca de 40% da folha de pagamento de cada um deles.
A rotatividade alta impacta diretamente a qualidade do atendimento. Há setores inteiros fechados por falta de pessoal, e os que continuam em funcionamento enfrentam sobrecarga. O adoecimento físico e mental dos profissionais virou uma constante, somado à frustração com atrasos salariais e falta de reconhecimento. “Os funcionários estão sofrendo, estão adoecendo. Salário ruim, escalas exaustivas, porque cada dia que a vai saindo funcionário”, disse o presidente do Sisipsemg.
Outro ponto de crítica é a terceirização do laboratório próprio do hospital. “Era um dos melhores laboratórios do estado. Funcionários capacitados, equipamentos de última geração. E aí, simplesmente, decidiram terceirizar. Desde então, os próprios servidores enfrentam dificuldades para realizar exames básicos”, conta Cardoso. Há relatos de beneficiários sendo obrigados a fazer exames externos, que, além de prejudicar a sua saúde, ficam mais caros para o instituto, diz a entidade.

ESPERA QUE ADOECE

Na tarde de ontem (7/5), a técnica em enfermagem Luciana Cristina Matos Pereira, de 55 anos, chegou ao pronto-socorro do Ipsemg com o pé latejando. Uma inflamação causada por um machucado ao fazer a unha em casa a impedia de trabalhar. Aguardava atendimento havia mais de três horas quando conversou com a reportagem. “A gente vem aqui na porta e fica ‘200 anos’ esperando”, desabafou, exibindo o dedo inchado, dolorido há mais de 10 dias.
 
Luciana Pereira reclama da fila:
Luciana Pereira reclama da fila: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

Trabalhadora da área da saúde, Luciana sabe que o problema não será resolvido apenas com pomadas cicatrizantes. Ela acredita que precisa de antibióticos, mas o atendimento, segundo relata, está cada vez mais difícil. “Não estou conseguindo trabalhar com o pé assim. Tenho que trabalhar bem calçada, não posso ir de chinelo nem com o pé de fora”, explicou, referindo-se às longas jornadas em pé no hospital onde trabalha.

O incômodo pela demora na tarde de ontem é apenas a ponta do iceberg de uma frustração acumulada com o atendimento prestado pelo hospital. Segundo Luciana, a tentativa de marcar uma simples consulta pelo Ipsemg transforma-se em uma jornada desgastante. “Procurei tratamento no Hospital das Clínicas, porque não consigo nada aqui. Tudo que você tenta nunca tem vaga”, relata.
Ela tenta há meses agendar consultas especializadas —psiquiatria, dermatologia, infectologia— mas nunca consegue. “Ficam no telefone um tempão, você a nome, F, tudo, e no final a resposta é sempre a mesma. Não tem vaga”, conta. O problema, segundo a técnica em enfermagem, não é recente, mas tem se agravado. “Está pior nos últimos anos”, enfatiza. Ela também reclama do espaçamento entre as consultas, que, na sua avaliação, inviabiliza alguns tratamentos.

O drama se repete com frequência. Cirurgias agendadas são desmarcadas de última hora. O agendamento de exames como endoscopia e colonoscopia enfrenta filas que não andam por falta de anestesistas, relataram servidores à reportagem. “As cotas de exames externos acabam no primeiro dia do mês. Dentro do hospital não se realiza quase nada. O laboratório foi terceirizado. Antes era referência, agora mal funciona”, relatou um servidor. Pacientes ficam improvisadamente no setor de urgência por falta de vagas nos andares.

Gerson Martins, de 28, é um dos muitos que preferem buscar atendimento na rede municipal, mesmo tendo direito ao Ipsemg por ser dependente da mãe, servidora estadual. Ele lembra bem das vezes em que precisou do pronto-socorro do Ipsemg. Em uma delas, ficou aguardando atendimento por mais de quatro horas. "Você chega lá e sabe que vai esperar bastante", diz.

Ontem, ele acompanhava a mãe, que estava com fortes dores nas pernas, no pronto-socorro do hospital. Para ele, o desgaste é tanto que já desistiu de tentar marcações via instituto. “A consulta demora dois meses, nunca é na hora”, comenta. Ainda assim, ele reconhece como ponto positivo o fato de a equipe do hospital entrar em contato para avisar quando há vaga disponível.

308
leitos no Hospital Governador Israel Pinheiro (HGIP)

15
salas cirúrgicas compõem a instituição

11
consultórios de urgência

224.440
consultas foram realizadas no HGIP
em 2024

3.997
procedimentos eletivos no ano ado

1.399
procedimentos de urgência em 2024


Para o Sisipsemg, o cenário atual é reflexo de escolhas que fragilizam a estrutura pública de saúde e que, se prosseguirem, podem agravar ainda mais o cenário. "O problema do Ipsemg é gestão, não dinheiro", afirma Pedro Cardoso, presidente da entidade. A expectativa é de arrecadar cerca de R$ 700 milhões por ano só com a contribuição dos servidores. Mas a aplicação desses recursos, na visão do sindicato, é mal gerida.

Um exemplo citado com indignação pelo sindicalista é o aluguel de uma máquina automatizada de armazenamento de medicamentos. O equipamento, composto por gavetas eletrônicas, permaneceu sem uso por três anos devido a falhas técnicas. Mesmo com a máquina parada, o Ipsemg continuou pagando pelo aluguel do equipamento. “O grande problema do Ipsemg é que, às vezes, o dinheiro é jogado pelo ralo”, afirma.

Na avaliação de Cardoso, o que ocorre no instituto hoje é parte de um processo deliberado de desmonte do serviço público. “Isso tudo é um projeto do governo para sucatear o serviço para depois ter o argumento para privatizar. O servidor vai sair, aumentou a contribuição, mas o serviço continua o mesmo. Vai para outro plano. Aí vão dizer que não tem dinheiro porque os usuários estão indo embora”, comenta.


IPSEMG REBATE DENÚNCIAS

Procurado pela reportagem, o Ipsemg afirmou que "as ocorrências pontuais foram prontamente solucionadas" e que os serviços de manutenção seguem em andamento. A instituição também garante que os aparelhos de ar-condicionado am por manutenções periódicas, conforme contrato em vigor.

De acordo com dados fornecidos pelo Ipsemg, o Hospital Governador Israel Pinheiro conta atualmente com 11 consultórios de urgência, 15 salas cirúrgicas e 308 leitos operacionais. Entre janeiro e abril de 2024, o hospital realizou 3.997 cirurgias eletivas — um aumento de quase 18% em relação ao mesmo período do ano anterior. Já os procedimentos de urgência somaram 1.399.

Para enfrentar a escassez de anestesistas e reforçar a equipe médica, o Ipsemg informou que reajustou os valores pagos aos plantonistas e retificou os editais de credenciamento. Ainda nesta semana, será divulgada a lista de novos prestadores credenciados, provenientes de editais publicados em fevereiro. A medida integra o projeto de ampliação da rede assistencial, previsto na Lei 25.143/25, com expectativa de que os contratos com tetos expandidos estejam vigentes a partir de julho, ampliando o o aos serviços para os beneficiários.

Com relação aos exames, o hospital afirma que não há fila para a realização de endoscopias e que as colonoscopias são agendadas conforme a prioridade médica. Pacientes também podem recorrer à rede credenciada do instituto. No setor de análises clínicas, o atendimento está garantido para pacientes internados e em situações de urgência, conforme avaliação médica. Para ampliar a cobertura, um novo processo licitatório para gestão laboratorial foi iniciado em abril, com previsão de expansão do serviço para casos eletivos no segundo semestre de 2025.

Em abril deste ano, o HGIP registrou 7.800 atendimentos no Serviço Médico de Urgência (SMU), o que representa um aumento de mais de 44% em relação a fevereiro. O Ipsemg atribui esse crescimento ao surto de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que levou à decretação de estado de emergência sanitária em Minas Gerais.A instituição nega também que cirurgias estejam sendo canceladas sem aviso prévio. Segundo o Ipsemg, todos os procedimentos são agendados e confirmados por meio da Central de Marcação de Cirurgias (CMC), que faz contato direto com os pacientes para confirmar ou remarcar atendimentos, caso necessário.
 

As consultas eletivas, conforme o instituto, são realizadas no Centro de Especialidades Médicas (CEM), com tempo médio de espera entre 30 e 60 dias. Em 2024, o Ipsemg contabilizou 224.440 atendimentos — aumento de 25% em comparação com 2023, impulsionado pela incorporação de novos servidores. Entre janeiro e abril de 2025, já foram registradas mais de 51 mil consultas, informou o órgão.  

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