Juraciara Vieira Cardoso
Juraciara Vieira Cardoso
Professora da UFMG, graduada em Direito, mestre em Direito Constitucional e doutora em Filosofia do Direito
COLUNA VITALidade

E se a melhor versão de si já for essa?

Esse ideal de aprimoramento constante pode ser exaustivo, porque nele não há lugar para o silêncio

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Outro dia encontrei com um amigo na academia e ele, muito contente, me mostrou seu celular repleto de planilhas, cada uma delas destinada a uma parte da vida: trabalho, estudo, leitura, treino, e, pasmem, até a vida social tinha sua própria planilha, tudo planejado com uma precisão cirúrgica. Ele me contou, ansioso e entusiasmado, que nesse ano de 2025 estava tentando ser “a melhor versão de si mesmo”, isso sem me dar maiores explicações sobre o significado genuíno daquela tarefa hercúlea que ele estava se propondo, que ali na minha frente se travestia em forma de planilhas, metas e objetivos.

Confesso que primeiramente olhei para minha própria vida e me senti até um pouco mal, afinal de contas, não tenho planilha nem mesmo para tarefas que exigiriam uma planilha, quanto mais uma destinada para cada área da vida. No entanto, me apaziguei logo em seguida, pois não pretendo ser mais um “eu ideal”, como aqueles propostos pelas redes sociais, pelos livros de autoajuda ou pelos jargões empresariais. Aquele “eu” de corpo esculpido, de mente treinada e de carreira milimetricamente planejada não combina comigo, sou mais caótica e, mesmo sabendo que não deveria, me sinto melhor assim. 

Não sei ao certo o que me incomodou no comportamento do meu amigo, mas creio que não seja o esforço dele de tentar se melhorar, mas o fato de, ao tentar fazê-lo, renunciar a quem ele é agora, como se a versão atual fosse uma espécie de rascunho provisório daquilo que ele um dia virá a ser. Será que meu amigo perceberá quando “estiver pronto” ou sempre vai correr atrás da “melhor versão de si”, como um eterno insatisfeito? Será que quando ele tiver o abdômen chapado, os livros de finanças lidos, a fluência em duas ou mais línguas, o sono regulado e o LinkedIn atualizado ele estará mais feliz e menos ansioso do que se encontra agora?

Não creio! O filósofo dinamarquês Kierkegaard, em seu livro "O desespero humano", descreve a situação do homem ambicioso, cujo lema é “Ou César, o Imperador, ou nada”. Quando esse homem não consegue se tornar César, ele entra em desespero. Mas, segundo Kierkegaard, esse desespero não é apenas por não ter alcançado o status desejado; é, mais profundamente, um desespero sobre si mesmo, por não conseguir aceitar quem ele é. Não tendo sido César, o sujeito se recusa a ser quem quer que seja, inclusive ele mesmo, o que segundo o autor, traria grande angústia existencial.


E essa é a raiz da questão. Não precisamos ser César! E não precisamos ser infelizes por não o sermos. Podemos só ser! Esse ideal de aprimoramento constante pode ser exaustivo, porque nele não há lugar para o recolhimento, para a hesitação ou para o silêncio, imprescindíveis ao humano, demasiadamente humano, que habita em nós. Mas é tanta necessidade de planejar, de empreender e de correr atrás, que gastar tempo refletindo ou a ser visto como perda de tempo. Na sociedade que criamos, ou o sujeito está insatisfeito com quem ele é, no sentido que precisa se prender a metas, planilhas, tabelas e objetivos, ou ele é visto como alguém que não está se “esforçando o suficiente”. 


Em tempos de performance, a rebeldia talvez esteja não em alcançar a melhor versão de si mesmo, mas simplesmente em aprender a estar em paz com aquela que é: imperfeita, inacabada, mas profundamente real. Quem sabe a verdadeira versão sobre nós mesmos não seja sobre sermos melhores, mas sobre sermos quem somos.

 

 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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